O RETORNO DAS MALDIÇÃO – A MÃE DAS MALDIÇÃO:


Já na abertura vemos imagens clássicas da pintura medieval e renascentista com representações do inferno e do Juízo Final feitas por mestres como Giotto. Essas imagens são sublinhadas pela poderosa trilha-sonora de Claudio Simonetti, colaborador e amigo pessoal de Argento desde os tempos em que ele era o tecladista dos Goblin, lendário grupo que brindou os fãs do cinema de horror com as clássicas trilhas de Prelúdio Para Matar e Suspiria, além de Phenomena, sem contar as colaborações do Goblin em trilhas antológicas de filmes como Buio Omega e Dawn of the Dead. Uma voz sinistra sussurra no meio da música a palavra “Mother…”, em um efeito assustador.
A história começa durante escavações em Roma onde novas catacumbas são descobertas, revelando uma série de urnas de pedra. A arquitetura secular de Roma é muito bem aproveitada pela bela direção de fotografia de Frederic Fasano, outro colaborador habitual de Argento.

O horror realmente começa quando somos transportados para o Museu de Arte Antiga de Roma. O cenário é de intensa atmosfera e a câmera nos guia detalhadamente pelos momentos de macabras descobertas onde Sara, interpretada por Asia Argento, e uma colega, abrem uma das urnas encontradas na escavação das catacumbas. Ao abrir a urna, a amiga de Sara se corta e uma gota de sangue cai dentro da tal urna. Argento nos remete aos clássicos filmes de vampiros onde a abertura de caixões e a queda acidental de gotas de sangue iniciam a reação em cadeia de horror. Assim como em Evil Dead, a amiga de Sara, sozinha na sala, começa a invocar acidentalmente palavras em latim que fazem reviver os demônios. A cena do assassinato brutal é antológica, com uma absurda sucessão de golpes de lâminas que culminam no sufocamento da mulher com suas próprias tripas: simplesmente inacreditável. Os demônios não aparecem claramente em cena, apenas seu “bichinho de estimação”, um macaco demoníaco que emite ruídos assustadores.

Como em todos os filmes de horror, a polícia não acredita no que Sara presenciou ao ver, em meio às sombras, criaturas misteriosas saindo do local do homicídio de sua colega. Aos poucos Sara, que é uma incrédula, passa a acreditar na presença do sobrenatural e tem visões da mãe morta que teria enfrentado as poderosas bruxas dos filmes anteriores da trilogia. Várias referências as tramas de Suspiria e A Mansão do Inferno se complementam e se fecham durante todo o filme. Seria interessante rever os dois primeiros filmes para compreender melhor alguns detalhes da trama de Mother of Tears. As fortes tensões cromáticas dos dois primeiros filmes com a intensidade do vermelho, do verde e do azul, nesse filme estão menos visíveis, mais envoltas em sombras e climas que lembram telas de Goya e Bosch. Os únicos momentos onde a cor é mais intensa ocorre no covil da Mãe das Lágrimas, a Mater Lachrymarum, interpretada pela bela atriz israelense Noran Atias. Numa alusão ao inferno, as cenas do covil tem uma tonalidade laranla/avermelhada e possuem um forte e dionisíaco acento erótico e ao mesmo tempo abjeto, uma característica clássica da obra de Argento. Outra marca do diretor está na subversiva mistura de elementos de horror extremo com a singeleza dos Contos de Fadas, numa mistura que pode não agradar as novíssimas gerações, mas que funciona muito bem.

O grupo de discípulos da Mãe das Lágrimas é muito interessante. Roma passa a sofrer uma série de atentados violentos, ondas de suicídio e atos insanos provocados pela presença da bruxa. Grupos de jovens bruxas andam pela cidade como roqueiras rebeldes. Uma delas persegue Sara em um trem, numa referência ao filme de Argento, Sleepless. De traços orientais a jovem bruxa é uma figura muito interessante. Um dos discípulos é um sujeito careca aterrador que proporciona ao espectador um duplo homicídio em um apartamento com direito a lâminas perfurando olhos e um brutal empalamento, sempre acompanhado do tal macaco dos infernos. Em alguns momentos, auxiliado pela trilha de tensões sacras, o filme lembra A Profecia, em sua primeira versão. O assassinato do Padre é de uma brutalidade assustadora e um dos momentos altos do filme.

Para quem achava que o filme não seria sangrento, Mother of Tears consegue ser tão ou mais violento do que Suspiria e A Mansão do Inferno. A questão do enigma a ser desvendado reaparece nesse filme também. Se em Suspiria o enigma era o da Flor Azul, e em A Mansão do Inferno era A Chave está bem debaixo de seus pés, em Mother of Tears, é: O Que se Vê não é real, e o Quê não se Vê é real. A solução desse enigma é a chave para se chegar ao covil da Mãe das Lágrimas. Ao contrário dos dois primeiros filmes da trilogia, Mother of Tears se passa em vários cenários internos e externos e não quase que totalmente dentro de uma casa.

Argento pretendia fazer um épico, mas o baixo orçamento e os prazos limitados de filmagem fizeram com que ele deixasse de lado uma série de cenas, em especial um voo coletivo de bruxas sobre Roma com tintas apocalípticas. O sangue e muitos dos efeitos de maquiagem são artesanais, uma raridade nos dias de hoje. O que importa é que o filme está pronto e tem momentos realmente perturbadores. Argento continua mestre e sempre será. E tenho dito

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