O TERROR:

THE TERROR (2018) É UMA IMPECÁVEL NARRATIVA DESOBREVIVÊNCIA:

Quando a equipe de resgate finalmente chega, alguns anos depois, descobre que todos se foram, que é tarde demais e que já não há quem ali precise de ajuda. Assim, quando voltamos aos primeiros dias, às discussões que estabeleceram a viagem, percebemos que assistimos à trajetória de homens cujos destinos estão condenados, por mais que não saibam. Mesmo com o final adiantado desta forma, no entanto, não é menos incrível acompanhar essa jornada por um deserto de gelo que oferece aos homens gananciosos uma resposta às suas ambições.

The Terror é uma antologia da AMC que estreou em março deste ano. Dividida em dez episódios, a primeira temporada foi baseada no livro homônimo de Dan Simmons lançado em 2007. No livro (e na série) acompanhamos uma narrativa baseada na famosa expedição de John Franklin e sua tripulação pelo Ártico, da qual nunca voltaram e cuja procura por seus vestígios persiste até hoje. Os dois barcos, então, tinham a missão de criar uma passagem através do gelo pelo noroeste, algo que lhes foi confiado por conta de sua experiência em outros projetos no mesmo seguimento. Com uma boa equipe de diretores e roteiristas, a série faz um bom primeiro ano ao criar uma impecável narrativa de sobrevivência.

Além de ser uma história sobre ambição, a produção fala sobre abandono. Este aparece quando percebemos que os homens ali são esquecidos pela sociedade que não se esforça o bastante para resgatá-los e que talvez não conseguisse chegar a tempo mesmo que quisesse. Contando apenas com as próprias ferramentas de luta, que são poucas, vemos os tripulantes lidando com diversos perigos que não ficam só no frio e na quantidade limitada de alimento. No escuro do lugar, surge uma criatura gigante, que a princípio não conseguem ver, mas que logo se apresenta como o desafio final para a sobrevivência deles.

O monstro, como definido no texto que abre este projeto, é oculto, só aparece depois de um tempo. As suas primeiras ações, no entanto, são assustadoras o bastante para mostrar seu potencial, engrandecendo-o diante de nós antes que o visualizemos. O Tuunbaq, como é chamada a criatura, faz parte da criação do folclore da região, é conhecido por seu povo. Assim, os homens perdidos encontram uma cultura neste espaço, um povo de língua desconhecida à maioria e que convive com as regras do próprio universo.

Nós temos muitas, muitas personagens, mas vou tentar destacar as mais importantes. Vale afirmar antes que, se em outras séries eu digo que tal ator se sobressai, aqui me restrinjo e parabenizo o elenco porque todos fazem uma boa leitura das complicadas jornadas nas quais embarcam. A começar pelo trio que representa a autoridade entre os passageiros:

John Franklin (Ciarán Hinds) é um homem teimoso, obcecado pelos próprios protocolos e por manter a imagem que os outros têm de si. Suas péssimas decisões agravam o futuro de todos, não sendo possível que sintamos muito por seu destino. James Fitzjames (Tobias Menzies), o terceiro no comando, é a parte cínica do trio e começa como alguém detestável, que debocha de tudo e acaba cavando a própria cova. Conforme avançamos na maratona, no entanto, a personagem vai se redimindo e sua bravura fica acima das besteiras que fala no começo. Francis Crozier (Jared Harris) é nosso grande protagonista. Rejeitado na sociedade, o segundo capitão carrega consigo um vício complicado de se ter por ali. Mesmo às vezes egoísta, ele parece bem resolvido a pensar no bem de todos e em dar um fim à loucura que é tal expedição.

Harry Goodsir (Paul Ready), o doutor a bordo, é durante muito tempo o representante da razão e da moral entre seus companheiros. Se os outros não demoram muito a recorrer às alternativas mais desesperadas, como o canibalismo, Goodsir se mantem em seus princípios, talvez ingênuos, mas que lhe permitem não perder o controle de si mesmo. Cornelius Hickey (Adam Nagaitis) tem uma interessante saga como o antagonista da história. Começa pequeno, como outro ajudante qualquer, mas se destaca pela capacidade de criar intrigas, desafiar figuras de autoridade e se estabelecer como um novo líder. É detestável, mas uma boa personagem para se acompanhar. Fecho os destaques com a chamada Lady Silence, interpretada pela atriz Nive Nielsen, que não tem muitos trabalhos em seu currículo, mas que deve ser reconhecida pelo que faz aqui. Única mulher entre eles, ela é uma nativa capturada para tentar explicar o que estão enfrentando e como derrotá-lo.

Longe da sociedade, perdidos onde a maior preocupação é a sobrevivência, os homens não conseguem deixar de lado as regras sociais que lhes regem, e isso é interessante de acompanhar. Diversos gestos assumidos como compromissos de honra se mantêm assim por tempo demais, no lugar de elaborarem um novo plano de escape. Os protocolos os prejudicam, no fim das contas. Afundam não só no gelo, mas nesses conceitos que carregam consigo. Não demora, porém, para que eles comecem a brigar, testar a tal lealdade e firmarem novas alianças. A tensão, bem construída na série, muitas vezes se dá nos diálogos e nos efeitos após estes.

The Terror não é tímida ao usar os recursos que a caracterizam como uma série de horror. Temos a criatura sobrenatural, mas não ficamos apenas com ela: a (bela) fotografia explora os corpos das vítimas da forma mais gráfica possível, derrama sangue sobre o gelo e remonta órgãos quando necessário. Diversos tipos de violência são presentes, quase como se simbolizassem a fixação do homem com ela; há uma marcante cena de punição difícil de se assistir. Como esbarrei no visual, aproveito para elogiar as cenas feitas com um CGI que não incomoda em nenhum momento — e que, para falar a verdade, só sei que foi feito dessa forma porque fui pesquisar.

Tudo parece desesperançoso e terrível no começo, mas há momentos mais doces, quando vemos o zelo que existe entre alguns personagens. Há, sim, amizades entre eles. Estas não duram muito, mas são exemplos que nos impedem de nos perdermos em meio a tanta melancolia. Os sobreviventes, cada vez um grupo menor, não têm a opção de nosso alívio e vão enlouquecendo aos poucos, alimentados por uma comida “estranha”, paranoicos com o ambiente e adoecendo por diversos fatores. The Terror pode ser lida, então, como uma série sobre a corrupção da sanidade; sobre os diversos modos de alguém perder a humanidade (ou o que consideramos como tal) e os diversos modos de se sentir medo.

Para não adiantar muito, destaco dois momentos apenas: há uma perseguição no quinto episódio, “First Shot a Winner, Lads”, no qual um dos tripulantes tenta lutar contra o monstro. Mesmo não conhecendo muito sua personagem, a coragem e a inteligência mostradas nos faz torcer a favor dela. O sexto episódio, “Mercy”, é um ótimo exemplo do cuidado da cinematografia da série. Neste, um baile de carnaval organizado no meio do gelo distrai (ou tenta) os membros do navio antes que eles tenham que abandoná-lo. Não preciso dizer que não dá muito certo e temos uma cena aflitiva como consequência.

Às vezes voltamos à sociedade, ou ao passado, e abandonamos os homens no gelo. Não são cenas essenciais e poderiam ter ficado de fora, mas não chegam a prejudicar a experiência. Há uma sequência de morte que faz uso desse jogo de lá e cá, e é a única vez que dá para justificar suas aparições. Mesmo sabendo como tudo termina, Terror nos oferece surpresas, seja na velocidade de se livrar de algumas personagens, seja no nível de complicação que cria para seus últimos homens. É divertida ao nos proporcionar momentos de tensão no final, estabelecer um jogo de caça no qual os tão poderosos da sociedade estão em desvantagem e ao reencontrar sua primeira cena de modo que não esperávamos.

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